segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Herdade do Esporão cria banco de castas para enfrentar o aquecimento global

Público, 2010.08.16  Ricardo Garcia
Alterações do clima e eventuais mudanças no gosto dos consumidores levaram produtor alentejano a preservar quase duas centenas de castas diferentes

Uma semana de calor, foi o que bastou para comprometer a época. As coisas até vinham a correr bem. Junho e Julho tinham sido frescos, as perspectivas eram animadoras. Mas, em meados de Agosto de 2009, uma semana de ventos tórridos mudou tudo. A produção dos 450 hectares de vinha da Herdade do Esporão, no Alentejo, caiu cerca de 20 por cento. O mesmo aconteceu um pouco por todo o país.

A perspectiva de um clima diferente, com mais ondas de calor no futuro, é uma das razões que levaram a herdade situada em Reguengos de Monsaraz a plantar, este ano, quase duas centenas de castas diferentes, numa parcela de dez hectares. Com os vinhos nacionais a apostarem cada vez mais num conjunto reduzido de variedades, a experiência do Esporão é uma espécie de seguro ao mesmo tempo comercial e ambiental.

Lá estão todas as castas do Alentejo e do Douro, as principais das outras regiões vinícolas do país e ainda as mais importantes de outros países, como Espanha e França, mas também Itália, Alemanha e até Roménia. Algumas eram comuns na produção vinícola, mas estão quase em desuso, como as castas Carignan, Grenache, Manteúdo, Moreto, Perrum ou a romântica Amor-Não-Me-Deixes.

Obtidas através de um protocolo com o Instituto Nacional de Recursos Biológicos, dentro de três anos a herdade estará em regime de produção. E, a partir daí, pretende fazer experiências pontuais com as castas.

O banco genético é uma garantia perante eventuais mudanças no gosto dos consumidores - uma inevitabilidade no mercado dos vinhos. "Não sabemos se, daqui a uns anos, o consumidor não irá pedir um Boal-Ratinho", ironiza João Roquette, administrador executivo do grupo Esporão SA, mencionando uma casta rara. "Mas também pensámos no aquecimento global", completa.

As alterações climáticas estão a preocupar viticultores em várias partes do mundo. Um relatório da organização ambientalista Greenpeace argumenta que, caso as tendências não sejam revertidas, a temperatura média global pode aumentar entre quatro a seis graus Celsius até 2100. Com isso, as vinhas podem ser "deslocadas" em até mil quilómetros, em relação à sua actual distribuição.

Vinhos de qualidade podem ficar comprometidos nas regiões onde são hoje produzidos. Um estudo publicado em 2006 na revista Proceedings of the National Academy of Science sugere que a área de vinhos de qualidade "premium" nos EUA pode ser reduzida em 81 por cento, nos cenários mais extremos. Um vinho superior depende de calor suficiente, mas não extremo. Especialmente danosos são dias seguidos de temperaturas altas, com ventos moderados, como aconteceu em Agosto de 2009. "Houve um problema gravíssimo de desidratação", explica João Roquette.

Testar como se comportam outras castas é um dos objectivos da parcela experimental onde estão 2222 plantas, em 188 linhas paralelas, cada uma com uma variedade diferente de vinha. Uma experiência semelhante está a ser feita com azinheiras, num projecto científico ligado ao Instituto Superior de Agronomia.

No caso das vinhas, a experiência tem uma vantagem económica. Uma parte pequena das uvas será eventualmente utilizada para microproduções de vinhos monocasta. O resto será aproveitado para a produção vinícola normal da herdade.